terça-feira, 16 de junho de 2009

fulana ? fulana não anda de ônibus ! (artigo publicado no JB em 31/05/09)

O comentário, entreouvido da conversa no banco da frente, reflete um comportamento antiquado, mas ainda presente em classes mais abastadas. “Fulana não anda de ônibus” significa que, por seu nível econômico, “Fulana” se coloca em posição superior e não se sujeita a unir-se ao restante da população na sofrida rotina de deslocamentos urbanos. Apesar da crítica, da fala também se deduz a inveja do velho ideal da condução própria, como se o uso do coletivo fosse degradante, mostra de limitada ou decadente situação econômica e, portanto, negar-se a usá-lo seria luxo para poucos. Seja qual for o motivo real para recusar-se a tomar ônibus, a verdade é que a locomoção nos coletivos costuma ser longa e penosa. Na maioria das cidades brasileiras, até algum tempo atrás, conforto, certeza de horários e higiene só eram possíveis mesmo de carro. Ocorre que, durante décadas, implementou-se no país a escolha política de abrir estradas e avenidas, com um estímulo permanente às montadoras e aos consumidores, seja por meio da redução de impostos, seja através de financiamentos; política apoiada em uma visão distorcida de “progresso” e associada a uma publicidade enganosa que até hoje liga valores como juventude, saúde e vitalidade a veículos poluentes e cada vez mais perigosos. Vivemos agora as tristes consequências desta “sociedade do automóvel”: o caos no trânsito paralisa e polui as metrópoles; carros velozes andam cada vez mais devagar, presos em engarrafamentos quilométricos. A catástrofe ambiental, a descoberta de que os recursos minerais são limitados e o crescimento da população nos obrigam a repensar o modelo. As poucas medidas tomadas ainda são bastante tímidas ou paliativas, como a construção de ciclovias e a introdução de esquemas de rodízios, por exemplo. Paralelamente às formas alternativas, há necessidade urgente de mudanças profundas que priorizem efetivamente o transporte coletivo, de modo que a melhoria da qualidade torne seus serviços confiáveis e preferíveis em relação ao veículo particular. Quando produzirmos essa mudança na cultura, será o fim dos engarrafamentos. Aí então, “Fulanas” – e “Fulanos”, é claro – se surpreenderão com a delícia que é não ter que procurar vaga, não ser multado nem discutir com flanelinhas; ler um livro no metrô, olhar a cidade pela janela do ônibus, ir e voltar do trabalho em menos tempo e em paz. Quem sabe, poderão até descobrir que o mais ecológico, a melhor forma de preservar a cidade limpa, ver amigos e manter a saúde do corpinho, chique, mesmo, é andar a pé. Ou de bicicleta.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~