sexta-feira, 30 de outubro de 2009

aprisionada

Encontro no ônibus uma amiga que, muito constrangida, me pede um favor inusitado. Aconteceu que na noite anterior tinha saído com um rapaz.
-Sim, e aí ?
Aí simplesmente deu tudo errado. O programa foi chato, o cara estava deprimido, toda aquela expectativa romântica foi por água abaixo e agora ela estava presa no vestido.
- Presa no vestido ? Como assim ?
Bem, é que dormira na casa de uma amiga, tinha chegado de madrugada, provavelmente bêbada, de manhã cedo a amiga dormia, ela teve que continuar com a mesma roupa e... agora finalmente voltava pra casa. Só que morava sozinha.
- E você está presa no vestido ?
É que ele tem um monte de botõezinhos nas costas, até em cima. Ela se vira um pouco pra mostrar.
- É, ser humano sozinho não alcança, mesmo.
Entendi, claro. É quando a gente inventa uma ooooutra realidade. A ideia era uma cena muito sensual em que o cara vai despindo a mulher lentamente, desabotoando um por um, aumentando a tensão do desejo. Aquela ardente noite dos sonhos, inesquecível.
Na realidade nua, já liberta da sua prisão, minha amiga caminha cansada com o vestido semi-aberto.
Mas em seguida se vira, falando alto que é pra todo mundo ouvir:
- Próxima vez, vou sair beijando logo de cara que é pelo menos pra garantir algum e não sair no prejuízo !
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nova leitura

faremos uma nova leitura da minha peça "Vida é o quê?" agora em novembro no dia 17, 3a.feira, às 21h no Bistrô das Casas Casadas (Espaço Rio Carioca). Rua Leite Leal, 45


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terça-feira, 20 de outubro de 2009

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

sofá

Quando eles se mudaram pra casa nova, a mulher do Reginaldo inventou que queria um sofá de couro na sala.
-Mas couro de verdade, da vaca! Nada daquele plástico imitando, aquela coisa quente por baixo da perna.
-O que é que tem? Não é gostoso?
-Que, gostoso, o quê. Com esse calor que faz?
No início o Reginaldo desconversou. Fez que esqueceu. Mas virou, mexeu, ela voltava à carga. Ele argumentava, fazendo as contas da mudança:
-A gente não pode deixar pro ano que vem? Não dá pra por estofamento novo no sofá que a gente ganhou? Ainda tá inteirinho, é só trocar...
-Mas casa nova com sofá velho? Negativo. Depois, você também vai adorar, garanto.
É que ela tinha visto numa revista de decoração e depois, na casa da prima de uma amiga. Delícia de sofá, bem grande. Queria um enorme, pra poder deitar no fresquinho.
O marido falava do preço, do transporte, do espaço apertado. Mas ela não se dobrava. Ele enrolou o quanto pode, mas ela tanto insistiu que lá foi o Reginaldo pesquisar. Depois de visitar várias lojas, só confirmou o que já imaginava: o sofá saía mais caro que todos os armários embutidos. Nada feito.
-Ah, é? Então traz o sofá velho, pode trazer, que é nele que você vai dormir.
-Mas, como?
-Em mim você não toca. Então melhor dormir no sofá.
Não houve jeito. Quando chegou o sofá novo, enquanto a mulher pulava de alegria, Reginaldo parecia caminhar para o matadouro. Calculava as prestações.
Mas realmente, era lindo. Enoooorme. Podiam os dois deitar ali - e foi a primeira coisa que fizeram, depois de tanto tempo de abstinência. Valeu a pena, a satisfação da esposa o recompensou por muitas semanas.
Mudança feita, aos poucos é que foram sentindo o aperto na sala, o pouco espaço para os outros móveis, a dificuldade pra passar toda vez que queriam entrar ou sair. Com compras, então...
Mas o pior de tudo ficou mais visível quando convidaram amigos pela primeira vez: é que ela era baixinha, muito baixinha. Naquele sofá enoooorme, das duas, uma: ou ela encostava a coluna, ficando ridícula com as pernas esticadas e os pés sobre o couro, ou sentava na beirinha, pouco à vontade no esforço das costas eretas.
De alguma forma vingado, Reginaldo ria por dentro, observando pelo canto do olho a mulher sentada como uma boneca frente à TV. Ou como uma criança, que nunca deu o braço a torcer.
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