sexta-feira, 15 de abril de 2011

outra do trem

o trem chacoalha e a moça se mete na minha conversa. diz que ensina – ou tenta - português, matemática e formação de copeiro, para jovens e adultos. que hoje as adolescentes não querem saber de estudar, só tão ali obrigadas, que os pais precisam do bolsa família. conta das mulheres que apanham dos maridos, muitas, exibindo marcas roxas nos braços, nas costas.
- olha aqui, fessora, olha o que que o cão fez ni mim.
e vai a outra e mostra um hematoma maior ainda, e vai a outra e conta de quando ele jogou ela na parede, e vai a outra e pior ainda...
a mestra denuncia orgulho: elas tão se gabando, elas chegam tirar a blusa pra mostrar – eu, elas, tinha vergonha até de falar, tinha vergonha que alguém soubesse, né não? coisa louca, quanto mais o cara bate, sei não...vai um dia chega uma perto do quadro negro, aquela cara de choro, perguntando o que deve fazer, que não aguenta mais apanhar. mas não trabalha, como é que vai fazer pra comer? e ela mesma, professora balançando no trem da central, ela não sabe o que falar. se falar pra largar o marido, no dia seguinte vem o cão ameaçar e tirar satisfação. e depois, quem é que vai sustentar a outra? a aluna ali de pé, esperando uma resposta, pedindo sabedoria.
- ora, minha filha, reza! pede ao pai, que jesus vai iluminar o teu caminho, deus vai te indicar o que fazer.
- mas se fosse a senhora, fazia o quê?
- nnnnão, eu, não, minha filha, que eu não tô no teu caso, tem minhas aulas, meu ganha pão...
e na outra aula escuta a mesma garota contando pra colega o dia que o cara da Light foi lá consertar: abaixando o short na frente, levantando a blusa, a barriga de fora, o dedo na boca, melosa até:
- vai consertar lá em casa! vem que eu te dou um café...
e me pergunta, toda Nélson Rodrigues: e por que vc acha q o marido bate nelas? tem um motivo, tem ou não tem?
E uma vez a aluna não gostou foi da nota que ela deu, que a professora achou que ela tinha que se esforçar mais, tinha que se recuperar...
- eu vou te quebrar, fessora, tu vai ver só. que eu sei que tu mora na Penha. eu venho lá do Vidigal, vou eu mais minha turma, vou lá na tua casa, te arrebento. tu quando vê um carro vermelho chegando na tua rua pode saber que sou eu que vou lá tirar a limpo essa nota, que isso não vai ficar assim, não. pode escrever.
a mestra engoliu seco, mas não mudou a nota. também não passou recibo. ficou quieta, pensando, 3 noites sem dormir. o pai falando pra ela largar esse emprego, o marido meio lesado não fala nada e ela, o q vai fazer? depois das 3 noites sem dormir, ela chega pra aluna e fala baixinho, rastejante:
- olha aqui, vc pode vir de carro vermelho ou amarelo ou verde ou preto que eu não tenho medo. se vc é do Vidigal, eu sou da Penha, e se duvidar, eu que vou lá na tua comunidade. e se vc vê um carro cor de abóbora pode ter certeza que sou eu com meu pessoal que eu não vou levar acerto de aluna coisa nenhuma que eu já dou aula tem mais de 10 anos pra eu não saber que essa é a nota que ocê merece, olha bem. e trata de estudar, senão, não passa.
e ficou assim. 
já saímos do vagão quando ela reconhece rindo:
- sinceridade? eu bem fiquei de olho... cada carro vermelho que passava, eu apertava a mão da minha filha!
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