quarta-feira, 16 de setembro de 2009

algo está fora da ordem (artigo publicado no JB em 14/09/09)

Perguntada a respeito de trabalho e família, a moça respondeu, meio sem pensar: “Tudo em ordem. Por enquanto”.
Ora, tudo na vida é “por enquanto”. A própria vida só é “por enquanto”, efemeridade que nos leva ao desejo mais do que justo de alongá-la. E que nos traz perplexidade sempre que é interrompida. Quando essa interrupção se dá precocemente, com mais razão ainda nos indignamos. Mas, de modo geral, principalmente nos casos de acidentes e doenças, em que a morte é muitas vezes atribuída a “causas naturais”, acabamos tendo que nos conformar e considerar essas perdas como “fatalidade”.
No entanto, quando a vida de um jovem é interrompida pela ação violenta de um outro ser humano, e por um motivo absolutamente torpe, esta morte não pode ser considerada “natural” e não podemos deixar de sentir revolta e indignação, não podemos nos conformar. Frente à notícia de que um rapaz de 15 anos foi morto por causa de um celular, não é possível aceitar nem o discurso da “fatalidade”, nem a explicação oficial dada para outros fatos recentes, de que se trata de uma “resposta dos traficantes às ocupações dos morros do Rio”.
Se, neste mês de setembro, o conjunto de atos violentos – arrastão no Túnel Zuzu Angel, tentativa de arrastão no Túnel Velho, sequestro e tentativa de assalto em Copacabana, repressão à manifestação dos professores, assalto com reféns à Igreja de Sant'Ana – é, por si só, assustador, a morte de Luiz Gabriel de Jesus Correia, assassinado em Bangu quando ia a uma festa organizada pela igreja, aparece como sintoma da barbárie.
Quanto custa um celular? Quanto custa uma vida?
“As pessoas estão morrendo a troco de nada. Perdeu-se a noção do que vale a pena e do que não vale”, desabafou o pai do jovem.
A falta de uma resposta firme por parte das autoridades competentes e a inexistência de um movimento coletivo contra o descalabro constituído por essa realidade, além do sentimento de que a questão da segurança fugiu do controle, nos trazem a terrível certeza de que algo muito sério está fora da ordem. E que diz respeito ao valor que atribuímos à vida.
Priorizar a vida implica em rever a importância das pessoas e dos objetos; solicita maior participação em ações coletivas, exige escolher melhor em quem votar e cobrar resultados. Da parte dos governantes, priorizar a vida passa por medidas que promovam efetivamente a paz e a justiça, com a redução das desigualdades, a melhoria dos serviços públicos, a democratização do acesso aos bens culturais, a agilização da Justiça, o controle da venda de armas, o treinamento de uma polícia bem equipada.
É preciso urgentemente construir um caminho que nos permita chegar um pouco mais perto daquilo que o Dicionário Aurélio oferece para o verbete PAZ:
1. Ausência de lutas, violências ou perturbações sociais; tranqüilidade pública; concórdia, harmonia.
2. Ausência de conflitos entre pessoas; bom entendimento; entendimento, harmonia.
3.Ausência de conflitos íntimos; tranqüilidade de alma; sossego.
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