quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

singela

Às vezes olho pra cima e vejo admirada esses verdadeiros excessos da presença divina: palmeiras altíssimas - sabe deus o que elas conversam com as nuvens! -, mangueiras frondosas, de troncos tão grossos que dariam 5 ou 6 de mim, jaqueiras enormes, carregadas de frutos.
Sei que sou baixinha. Talvez por isso, ou por ser lisinha, gostosa de tocar e acariciar – eu não tenho espinhos e não arranho ninguém, como tantas outras por aí - a garotada brinque tanto comigo. Eles sobem nos meus galhos, e eu deixo; penduram cordas e pneus que eu ajudo a balançar; comem meus frutos ou levam pra fazer doce. Às vezes sinto até o cheiro da panela em que uma parte de mim é transformada para integrar o mundo dos homens. Se tivesse voz, nesse momento juro que eu cantava. Que delícia, meu próprio cheiro, que prazer, suscitar o desejo e ser devorada com deleite! E à noite eu sonho, feliz, imaginando a alegria de homens, mulheres, crianças me repartindo, compartilhando a mais popular, a soberana sobremesa.
Às vezes tiro a sorte grande e me escolhem pra fazer piquenique. Minha sombra não é lá grandes coisas, confesso, mas eu me esforço juntando um pouco as folhas. É uma festa! Noutras vezes, são namorados que vêm se recostar, aos beijos, abraços e tudo o mais. Acolho, claro, discreta e com o maior prazer. Só é duro quando abusam da hospedagem e desenham em mim a canivete. Na hora, dá vontade de gritar: e depois, quando o amor passar? Depois vão embora e me deixam assim, ferida! Dá vontade de xingar!
Aí fico triste e olho prá baixo: a terra, as folhas caídas, os frutos perdidos... vá lá, foi por amor, tudo por amor... E se não gosto da cicatriz, ela ao menos me diz que o amor entre os homens algum dia existiu.
Quando às vezes olho pra cima e vejo as altas árvores, tão distantes, sorrio e agradeço a deus por ter me feito goiabeira. Acho que é uma grande vantagem isso de ser assim, pequena: é que acompanho os seres humanos bem de perto. Eles são do meu tamanho.
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