quarta-feira, 17 de março de 2010

o apê do Cacau

então ele pegou a planta, abriu-a lentamente sobre a mesa e falou:
- Nós vamos ter de fazer algumas modificações, claro...
A coisa de 2 metros de distância, sentada sobre os caixotes da mudança com seus 95 quilos dentro de um tailheur lilás, Madalena apenas olhou de viés, acariciou o colar de pérolas e resolveu:
- Eu não vou morar numa kitinete, mas nem morta!
O Carlinhos sabia que não ia ser fácil:
- Tô tentando ajudar, não sabe como foi duro convencer o Cacau.
Faz sinal pedindo ajuda à irmã. Teresa respira fundo, aproxima-se da mesa como quem sobe o cadafalso e, seguindo o dedo do Carlinhos entre quadrados e retângulos, diz com falso entusiasmo:
- Mas é um quarto e sala, mãe, vê só!
- Nnnnão... Isso aí já é outra coisa, diz Carlinhos sem graça, abaixando o tom.
- Como? Tá aqui, ó. Não é uma sala, aqui?
- É. Do vizinho.
- Ah. Ué, a parede...
- Um pessoal muuuito legal, esticou o Carlinhos, espiando a mãe com o rabo de olho.
- Mas mora junto?
- Uma turma animada que só vendo. A mãe vai gostar.
A mãe resmunga:
- Quero ver me tirar dqui.
Teresa observa o papel estendido.
- Tem um rio? Isso aqui é um riachinho?
- É a rua, mesmo.
- Curva, assim?
- É ladeira.
- Ih... é o comentário que vem dos caixotes.
Mas Teresa é curiosa:
- A que sobre pra igrejinha?
- Não, pro outro lado.
- Ué. Mas do outro lado é morro.
A paciência do Carlinhos chegou no limite:
- Escuta aqui, alguém tem ideia melhor? Qualquer hora chega aqui o oficial de justiça, eu consegui a duras penas que o Cacau falasse com a tia dele, a mulher liberou pra gente ficar lá por um tempo, que o espaço é usado pra...
- Pra quê?
- Ah, não interessa. Agora vocês vão ficar de frescura só porque tem que caminhar mais um pouquinho?
- Carlinhos, esse apartamento... Teresa finalmente entende os muitos sinais de Carlinhos e, estarrecida, deixa a frase pela metade. Faz-se então um longo silêncio ensurdecedor. Carlinhos estava a ponto de desistir, já ia guardando a planta quando ouve um som vindo dos caixotes.
Eis que, secando o suor com um lencinho de cambraia, Madalena finalmente diz:
- Eu vou levantar...
Solícito, Carlinhos corre para ajudá-la:
- Vai aonde, mãe?
- Vou levantar o preço do colete a prova de balas.
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