quarta-feira, 2 de abril de 2008

tempo de sinhá

Estamos em Araruna, no ano de 1885, e agora eu trabalho em uma loja de doces. No calor desta manhã tediosa, daqui do balcão posso ver a mulher branca que sai da igreja, atravessa a rua de paralelepípedos em direção à praça da cidade. A longa saia rodada, cheia de rendas, cobre uma falsa “derriére”, anáguas, meias, botinhas de camurça. Na unidade superior, a mantilha nos ombros complementa um casaquinho da mesma cor da saia. Embaixo do casaquinho uma blusa de rendas esconde o espartilho que aperta as costelas, fechando os pulmões em uma respiração afogueada. A branca é seguida de perto por sua escrava, que lhe segura a sombrinha, protegendo-a do inclemente sol dos trópicos. A negra de turbante veste apenas panos rústicos enrolados e amarrados no corpo.
O tempo passa devagar. Para o elenco de apoio da novela, um tempo de areia que infinitamente se esvai, quente e lento, sem retorno. Dias inteiros e nada a fazer, a não ser observar a movimentação na cidade cenográfica.
De repente toca meu celular, atendo e é alguém que se exalta porque não sabe apagar uma linha de tabela no computador. Exige, vocifera. Estamos no Rio, ano 2006. Meus pulmões rapidamente se fecham e é com respiração afogueada que grito:
- Tempo !
Escrava branca ? Ouço a linha, sinto a vida desalinhada. Não tenho tempo, mas que tempo é este ? Não entendo como é possível um ser humano achar que pode ser dono e senhor de um outro igual.
Não, não sou escrava. Desligo.
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