terça-feira, 17 de março de 2009

iguana

Caminhava com uma amiga pelas Paineiras, quando ouvimos uma movimentação intensa nas folhagens, logo ao lado. Estancamos em pânico. Afinal, éramos duas mulheres, a estrada semideserta, pouco policiamento, os noticiários, o tráfico, enfim.
- Ai, meu deus !
Nada. Bicho.
Depois rimos: Nossa, a gente anda de um jeito ! É, qualquer coisinha... meu coração até parou ! Que susto. Que bobagem. Pois é, a floresta, a gente desacostuma. Só não pode ser cobra !
- É...
Marta, pensativa, lembrou do iguana. Do seu inesquecível encontro com o iguana.
Há muitos anos, quando ainda jovem, acampava com amigos em Muriqui. Necessitando privacidade de ordem fisiológica, afastou-se um pouco das barracas – não sem uma confusa mescla de medo e heroísmo feminista, algo entre a Jane do Tarzan e a Rosa Luxemburgo. Remediado o problema, lá vem Marta de volta, feliz e distraída, quando se depara com o bicho atravessando a trilha. Por algum mistério, intuição ou processo maluco de identificação, ela achou que o iguana era fêmea. Que talvez estivesse, como ela, retornando ao seu grupo, etc. Bem, seja. As duas se viram. As duas pararam imediatamente, uma no caminho da outra.
E agora ? O que fazer, meu deus ? Impossível gritar, a paralisia foi total. Rapidamente consulta seus arquivos internos, revolve a memória em busca de uma saída: o que é que eu sei sobre iguanas ? o que é que se pode fazer num momento como este ? Avançar, pular ? Recuar ? Entrar pelo mato ? Ô, meu deus...
Petrificada frente ao animal, suando em bicas, os neurônios a mil, a referência encontrada em seus alfarrábios é “A Noite do Iguana”, peça de Tennessee Williams. Acontece uma morte trágica, um assassinato – ela vai se lembrando sem tirar os olhos do monstro à sua frente. O cara, protagonista, é morto de noite – claro, está no título – mas na calada da noite, de modo que não se sabe quem foi. Aos poucos se vai descobrindo que todos na cidade participaram. E pior, depois a gente vem a saber que ele foi linchado por ser gay, mas a versão oficial que é dada, e que todos aceitam, é de que foi devorado pelos iguanas. Aos poucos também ela se recorda: Ah, é porque era uma região onde havia muitos lagartos, é isso. Por isso é que se chama “A Noite do Iguana”. Parada no meio da trilha, revê o filme inteiro em alguns segundos. Ou alguns minutos. Perdeu a noção do tempo. No êxtase das imagens, perseguindo o frágil fio da memória, Marta saiu do ar. No final, até entendeu melhor algumas passagens da peça.
Quando voltou a si, o caminho estava livre. Vai ver, a coleguinha cansou da brincadeira.

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