segunda-feira, 30 de março de 2009

outro lagarto

Vi que o lagarto dentro de casa era sinal de alguma coisa. Porque é
algo tão inusitado que a gente fica pensando. Eu, pelo menos, tenho
essa mania. De pensar. De achar que o mundo fica o tempo todo
mandando sinais. O problema é descobrir do quê !
No começo fiquei muito contente, achei que era símbolo de riqueza.
Tentei lembrar se tinha visto algum iguana em escudos ou bandeiras
ou brasões. Nada. Só me vinha “O sorriso do lagarto”, livro do João
Ubaldo Ribeiro. Mas lá o significado é altamente negativo, ligado a
dissimulação e perversidade. Demorei uns 3 dias até concordar que
aquela é que era a imagem...
No primeiro dia, quando descobri o animal, tomei um susto. O
danado era uma estátua entre as plantas, completamente imóvel, se
fingindo de samambaia. No segundo dia não estava mais lá. Logo,
um novo susto: paradinho, em outro vaso, outra posição, mais perto
da entrada da casa. No dia seguinte, novamente me assustei: quieto,
quase no muro, como quem vai embora. Fiquei até satisfeita: que ele
reencontre o seu lugar na floresta. Melhor assim, pensei. Mas no dia
seguinte, outro susto: estava num vaso baixo, pertíssimo de mim e
da entrada da cozinha. Então senti a presença traiçoeira e
ameaçadora.
Nesses tempos eu me envolvia com um rapaz muito simpático, muito
sedutor e coisa e tal, mas que aos poucos vinha se tornando algo...
grudento, digamos assim. Mudava de repente de idéia, sem ser
convidado, aparecia do nada em horários inconvenientes... Um susto
que se repetia, evasivas escorregadias, imprevistos, dissimulação...
Um sinal.
Pois no dia seguinte acordei como no meio de um sonho: era urgente
a necessidade de expulsá-lo antes que transformasse minha vida
num inferno. Já imaginou um ser desses dentro de casa ? Já pensou
dar de cara com ele em qualquer lugar onde – e quando – você
menos espera ?
Me armei de coragem e expulsei os dois. Um de manhã, com
vassoura e pá. E inseticida, por via das dúvidas. O outro à noite, na
conversa.
Não digo que não doeu. Lagarto é parente da serpente, bicho sempre
sedutor. Mas um animal selvagem querendo casa e conforto, pode ?
O mais engraçado – e difícil – é a reação indignadíssima que assume
quando desalojado, como se fosse uma enorme injustiça. Pois virava
a cabeça pra trás, abria a boca, rosnava. Custei, tive que endurecer o
coração pra fazê-lo atravessar a rua e voltar pra floresta.
Depois lembrei de um outro cara parecido, de anos atrás. Era meio
surdo, como este. Isso é uma característica dos répteis ?

Um comentário:

André disse...

Que fase boa, amiga! Ótimos os últimos textos! Gostei demais deste "Outro lagarto"... temos mesmo que saber identificá-los! Bjks c/carinho!!!