segunda-feira, 17 de março de 2008

lavando batom

Nada podia haver de mais humilhante para ela do que ter que lavar as manchas de batom nas camisas do marido. Com ódio esfregava, esfregava ferindo os dedos com sua impotência. Só faltava um dia ter que lavar os lençóis sujos de amor alheio ! Amor de alguma forma vizinho ao seu. Como a mesma parede compartilhada por apartamentos, assim estava seu marido. Usufruindo dela segurança, bem-estar, comida e roupa lavada, cama nem tanto. Usufruindo da outra os prazeres da vida, a juventude, o decompromisso.
Não conseguia entender como foi que aquilo aconteceu. Ela também fora jovem, quando começaram não havia compromisso e eles dançavam, riam, bebiam. Depois, o dinheiro curto para o aluguel, as tarefas da casa. As tarefas !
Pensando nisso, perdeu a hora, atrasou o jantar. Quando ele chegou com cheiro de cerveja e mais uma camisa manchada no colarinho, ela carinhosamente disse:
- Você chegou cedo, amor, eu ainda não arrumei a mala.
Ele largou-se no sofá, sem a menor atenção; ela sempre dizia isso. Ela, em polvorosa, era a mesa que não arrumara, por que dissera a mala ?
Perturbada, atordoada, sem saber o que fazer, foi para a cozinha. Olhou o feijão no fogo, o arroz, a carne crua na tábua esperando a frigideira. Desolada olhou a pia, as paredes, os talheres. Uma a uma, as colheres de pau, o espremedor de alho, o de batata, a faca de pão, a faca grande com que esquartejava o frango. As latas de mantimentos na prateleira. Olhou tudo com estranheza, distante. Não precisava arrumar a mala.
Em silêncio saiu da cozinha, passou pela sala onde já o marido via futebol na TV, abriu a porta da rua e saiu. Sentiu alguma pena imaginando tanto feijão queimado.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Um comentário:

adelina disse...

Vero
Adoro seus contos bem contados.
Bjks Adelina
Te acompanho