quarta-feira, 19 de março de 2008

a vida como ela quer

Angélica começou a trabalhar na minha casa porque tinha terminado seu casamento de 23 anos. O casal tinha uma cantina onde, além de dona, ela era caixa. Como tinham um ajudante, ainda por cima ela era patroa. Toda semana ía ao salão arrumar cabelos e unhas, vivia bem. Separada, entre a cantina e a casa, como toda mulher com filho, escolheu ter onde morar. Viveu de ajudas e restos por 3 meses. Quando não deu mais, engoliu o orgulho e foi trabalhar de doméstica.
Perguntada sobre a separação, contou constrangida que tinha se envolvido com outro, bem mais novo, sabe como é, a rotina depois de 23 anos, etc. Resulta que foi vista em uma festa com o rapaz, o marido ficou sabendo e a brincadeira terminou. Algumas vezes me falou de tentativas de reconciliação da parte dele, sempre rejeitadas por ela.
Pois bem. Na quinta-feira passada ela liga dizendo que não pode vir. Ontem cheguei do trabalho e dou de cara com uma Angélica-elefante: a face direita completamente deformada e um hematoma roxo no olho. Eu espantada, ela dando risada. Que está se encontrando escondida com o ex-marido.
- Bem, e daí ? Ele bate e você gosta, é isso ?
- Não, não foi ele, foi a mulher dele.
- Ah, ele já tem uma mulher ?
- Pois então, agora eu sou amante dele, do meu ex-marido.
- Mas então por que vocês não voltam?
- Ah, nem eu quero, agora que eu tô me vingando !
- Você está se vingando dele, namorando ele ? Não entendi, mas então o soco ...
- Eu não disse prá você que eu sofri muito ?
- Sim, e ...?
- Pois agora ela vai ver o que é bom, tirar o marido das outras...
- Mas, peraí !
- É, ele me deixou prá ficar com ela, 23 anos casados, agora ela tá louca porque vê que amor é mais embaixo...
- Ah, é ? Mas você não disse que tinha arranjado um namorado ?
- Isso foi depois, tapa-buraco !
Diabólica. Eu, pasma, tentando juntar lé-com-cré. Ela e sua cara deformada rindo a bandeiras despregadas, aquele olho roxo motivo de orgulho, que ela desfila pelas vielas da Rocinha para que todos saibam. Jurada de morte, Angélica refaz sua auto-estima. Rio também, aconselho cuidados: não perca a cabeça, não vá perder a vida... E ela, com sorriso quase angelical:
- Fique tranqüila, que a senhora só perde a empregada se for prá ela voltar a ser patroa.


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