sábado, 29 de março de 2008

esenoiam

Quando a mulher ao meu lado tirou o “Código da Vinci” da bolsa, eu não resisti:
- Ai, eu li esse livro, a gente não consegue desgrudar, é uma loucura, fica lendo até as 5 da manhã !
Rimos juntas e começamos a conversar. E foi me contando que desvendou alguns dos enigmas logo que viu, e que achou estranho os personagens demorarem tantas páginas até descobrirem. Reconheceu que tinha vantagem por ter estudado um pouco de criptografia.
- Ah, assim não vale !
Mas também por um acidente que a fez ficar 4 anos com a mão direita paralisada. Daí começara a escrever com a esquerda, e percebeu que com esta mão era mais fácil escrever ao contrário, “subindo no papel”. Então também foi aprendendo a ler assim. Às vezes no supermercado alguém estranhava aquela lista esquisita, mas os amigos já sabiam, quando era bilhete, recado, que deviam virar o papel e ler contra a luz. Orgulhosíssima, lembra quando o médico afirmou que ela estava em boa companhia, já que Leonardo da Vinci também escrevia assim, espelhado. Então, já esperava por isso no livro...
Criei coragem e perguntei, interrompendo:
- O acidente foi de carro?
Levou um susto, recuou:
- Não, foi em casa. Doméstico.
Mostrou a mão, com uma bandagem em volta do dedo mindinho. Apesar de várias cirurgias, a cicatriz desse dedo era muito sensível e ela mantinha o curativo para não se machucar ao pegar o livro ou girar a chave na fechadura. Aos poucos foi explicando: no acidente um barbante tinha cortado todos os dedos. O polegar e o médio agora estão ótimos, mas o mindinho... tinha sido decepado. Caiu no chão. Ela teve que pegar porque estava sozinha em casa. O vizinho a levou ao hospital. Não consegui entender como é que uma pessoa destra, sozinha, faz um barbante cortar todos os dedos da mão direita a ponto de meio dedinho cair no chão !
Não sei se foi o meu silêncio ou a minha cara de incredulidade que a fez falar:
- Abrindo um vidro de maionese.
Como ? Minha incredulidade aumentou – onde foi parar o barbante ? Disse que a tampa estava lascada e muito presa.
- Ah!... (depressa, esquece o barbante, pista falsa)... E não processou a maionese?
Eles argumentaram que ao sair da fábrica, não estava lascada, que a culpa era do supermercado. Na ação contra ele, perdera em todas as instâncias, porque argumentaram que ao sair da loja a tampa não estava lascada. E como o acidente foi em casa... E isso que foram 25 minutos entre a compra da maldita maionese e a entrada no hospital. Guardara a notinha do caixa e cópia do prontuário médico. Numa das audiências o advogado do mercado ainda perguntou se ela não tinha um vídeo com o registro do acidente. É boa, colocar uma câmera de vídeo para gravar o momento exato em que se abre um vidro de maionese! Claro, vai que a tampa está com defeito e você perde um dedinho por aí, passa por várias cirurgias e fica com a mão direita paralisada por 4 anos e até aprende a usar a esquerda e a escrever espelhado e decodifica os enigmas do Código Da Vinci !...
- Então, a senhora nunca mais entrou naquele supermercado ?
Guardou o livro que mal chegara a abrir.
- No começo, não, mas aos poucos a gente acaba voltando, é na frente da minha casa. Mas maionese...não passo perto. Faço um desvio prá não passar perto da gôndola, olhar aqueles vidros...
Um pouco alterada, pede licença, tem que descer no próximo ponto.
Quanta história naquele corpo tão magrinho, uma vida revirada do avesso por um vidro de maionese...
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